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domingo, 10 de dezembro de 2023

Lula terá que “segurar” o amigo Maduro




Diz o provérbio: “Se você não quer se meter em dificuldades, tome cuidado com o que diz”.

Esse conselho deve ser dado ao presidente Lula, em relação a sua participação na busca da paz no atual confronto entre a Venezuela e a Guiana. Mesmo dizendo-se amigo do ditador Maduro, a quem tratou como um democrata em reunião de presidentes em Brasília.

Lula pagará caro se não defender a paz na América Latina. Além de tudo que já fez, Maduro ameaça invadir um país vizinho para defender à força suas reivindicações territoriais. Nas últimas horas, há sinais de diálogo com o encontro na próxima quinta (14) dos presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e o guianense Irfaan Ali, na ilha São Vicente e Granadinas.

O presidente Lula, a convite de ambas as partes, estará presente. O bom senso indica que só existe uma alternativa: exigir do presidente Maduro que não crie uma guerra na América do Sul e acabe arranhando a liderança do Brasil na região.

Já há muitos conflitos no mundo. Uma guerra na América do Sul seria péssimo sinal para a posição geopolítica brasileira e a economia do continente. A controvérsia terá que ser resolvida pelas vias legais e diplomáticas.

Lula reuniu-se com o seu eficiente ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, e já analisou o quadro da discórdia entre os dois países. As Forças Armadas brasileiras, por precaução, estão unidas e alertas. O presidente brasileiro não pode atuar com “panos mornos”. Tem de ser mais enfático – e até fazer ameaças à Venezuela, caso não recue em suas intenções bélicas.

É óbvio que se houver guerra, os Estados Unidos e o Reino Unido entrariam em cena para proteger a Guiana. Sobretudo, porque têm negócios importantes no país, uma ex-colônia britânica. Seria uma nova guerra das Malvinas.

As raízes do conflito encontram-se na região de Essequibo, uma área de 160.000 quilômetros quadrados, localizada na costa norte-atlântica da América do Sul, entre a Venezuela, a oeste, e o Suriname, a leste. É maior que a Grécia e rica em minerais.

Tanto a Venezuela quanto a Guiana fazem fronteira com o Brasil. O governo venezuelano reivindica Essequibo, apesar da região ter sido reconhecida pela comunidade internacional, primeiro como parte da Guiana Britânica e depois como parte da República Cooperativa independente da Guiana, há mais de 100 anos.

Maduro assumiu o país em 2013, após a morte do ex-presidente Hugo Chávez, e persistiu com políticas que debilitaram a economia da Venezuela. A legitimidade do governo Maduro tem sido questionada internacionalmente desde 2019, depois que ele manteve o poder, apesar de aparentemente perder a eleição presidencial no ano anterior.

Com uma nova eleição marcada para 2024, Maduro faz grande esforço a fim de galvanizar os eleitores apelando para o nacionalismo de reverter a região de Essequibo para o território do país.

A disputa fronteiriça ganhou destaque, depois que a petroleira ExxonMobil provou que há bilhões de barris em depósitos de petróleo bruto acessíveis comercialmente localizados na costa de Essequibo, nas águas territoriais da Guiana.

Os fatos mostram que o presidente Maduro está em posição delicadíssima na política venezuelana. Atualmente, o país encontra-se em uma encruzilhada, enfrentando crise política em razão da disputa entre Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, que denuncia os abusos de poder cometidos pelo presidente.

As próximas eleições presidenciais estão marcadas para 2024, segundo a Constituição do país, mas ainda não há data definida para a ida às urnas. Maduro está no poder há mais de 10 anos.

Recentemente, a líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, venceu facilmente a disputa das primárias presidenciais, com 93% dos votos. Entretanto, ela está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos, em decorrência da aplicação de legislação autoritária editada pelo governo.

Como forma de intimidação, o governo Maduro decretou a prisão de quatro líderes oposicionistas, sob o argumento de traição à pátria, conspiração, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Todos eles pertencem ao staff da pré-candidata vitoriosa María Corina Machado.

Maduro estimula o fervor patriótico e já foi à Rússia pedir apoio. O Reino Unido condenou formalmente as ações da Venezuela na Guiana. Os Estados Unidos fazem exercícios militares na área. Os sinais são de que se caminha para um “beco sem saída”.

Quem pode colocar um ponto final é o Brasil, por ser fronteira e o único acesso por terra da Venezuela à Guiana. Para evitar a guerra, Lula terá que segurar o “amigo” Maduro, enquanto é tempo. Do contrário, passará a história como co-responsável pelo conflito.

sábado, 14 de outubro de 2023

O que aprendemos com nossas guerras?





Por Marcelo Tognozzi*

Maria era uma mocinha de 17 anos quando embarcou com a família num trem rumo ao Vale do Paraíba, deixando às pressas São Paulo, uma cidade em pé de guerra. Era julho, inverno, frio de 5°C. Seu pai, Joaquim Canuto de Oliveira, tabelião, fora homenageado 3 meses antes com uma festa que comemorou os 25 anos de suas “lides forenses”. A homenagem juntou dezenas de convidados no salão vermelho do Esplanada Hotel.

A família deixara a casa na Aclimação. Nas malas apenas o essencial. Rumava para a Estação da Luz fugindo do conflito iminente entre rebeldes liderados pelo general Isidoro Dias Lopes e tropas legalistas do presidente Artur Bernardes. Mais uns dias e São Paulo seria duramente bombardeada pelos Nieuport, Potez, Waco e Curtiss da aviação legalista.

Maria, 1,5 metro de altura, levava no corpo dinheiro e joias da família. Ao pedir que ela guardasse aquela pequena fortuna, seu pai acreditava ser improvável que alguém atentasse contra uma mocinha. “Tome conta minha filha, ninguém vai fazer mal a você. Se alguma coisa acontecer conosco, cuide da sua irmã”, recomendou Joaquim. Maria cuidaria de Ana Amélia, de 4 anos, dormindo no sono solto no colo da mãe Guiomar.

O trem partia lento de São Paulo, café com pão, manteiga não. Ao longe era possível ouvir tiros, sons remotos de batalhas cercanas traziam medo e angústia. Maria julgou ser a mão da providência divina, seu pai um golpe de sorte a guerra urbana ter durado só 23 dias. Não demorou para estarem de volta a São Paulo, enquanto os rebeldes do general Isidoro eram empurrados em direção ao Paraná e, depois, formariam a temida Coluna Prestes. Maria foi à missa e agradeceu à Santa Terezinha.

Atrás daquela tropa em retirada jazia uma cidade amedrontada, boa parte semidestruída pelos bombardeios, corpos destroçados pelas ruas, cheiro de morte e sangue coagulado nas calçadas, vielas e becos.

A paz não durou muito tempo e 8 anos depois outra guerra bateu à porta da família. Desta vez a guerra levou João, noivo de Maria, para a frente de batalha do Vale do Paraíba. Era novamente julho, frio e as tropas iam em vagões de carga até perto do front.

João ficou nas trincheiras. Um dos 400 mil voluntários alistados. São Paulo de 1932 em guerra contra o governo Getúlio Vargas na Revolução de 1930. Queriam uma nova Constituição e eleições para presidente.

João tinha medo das batalhas aéreas no front do Vale do Paraíba, perto de Queluz, Cruzeiro, Resende e Lorena. A aviação legalista bombardeava as tropas sem dó, comandada pelo major Eduardo Gomes com seu Waco, o vermelhinho. Tocava o terror.

Soldados paulistas, como João, usavam a matraca, instrumento feito de madeira que imitava o som das metralhadoras e assustava o inimigo. Muitas salvaram a vida. A guerra durou 3 meses e Getúlio saiu dela vencedor.

João voltou para casa derrotado, barbudo, magro, com a mão esquerda ferida, o retrato da desolação. O Brasil viveu sua última guerra doméstica, depois de muitas como a Revolução Farroupilha, o Contestado, Canudos ou a Revolução Gaúcha de 1923.

Houve um tempo em que estas guerras eram parte do cotidiano das famílias brasileiras, como Maria, a mocinha que fugiu de trem em 1924 e, 36 anos depois, seria minha avó junto com João, que voltou vivo do front de 1932. O Brasil só voltaria para a guerra uma década depois, quando Getúlio trocou o apoio aos aliados por uma siderúrgica em Volta Redonda e mandou os pracinhas para a Itália.

O tempo em que as diferenças eram resolvidas pela força voltou em 1964 com a tomada do poder pelos militares. E 21 anos depois o país foi pacificado por Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, Petrônio Portela e José Sarney, Marco Maciel e Nelson Carneiro.

Agora, 100 anos depois de 1924, a guerra está nas redes sociais, no dia a dia de negros contra brancos, mulheres contra homens, homos contra heteros, urbano contra rural. Nossa sociedade vai se desmantelando num momento em que o mundo ocidental, do qual somos parte, tem hoje 3 frentes de guerra sangrentas: Ucrânia, Israel e Nagorno-Karabakh na fronteira da Armênia com o Cazaquistão. E não há possibilidade de melhorar.

O Brasil nunca precisou tanto da pacificação e do entendimento. Vivemos um momento em que o desentendimento passou a ser uma forma de ascensão social e o maior exemplo foi a infeliz publicação da assessora da ministra da Inclusão Racial sobre a torcida branca e descendente de europeus do time do São Paulo. O odiento de hoje é o influencer de amanhã. A paz não dá mais Ibope.

Há ódio dentro do Executivo, da mesma forma que existe no Congresso e num Judiciário que tem julgado com muita raiva e pouca isenção os acusados das barbaridades de 8 de Janeiro. Estamos nos deixando contaminar, importando o ódio dos palestinos e judeus, dos russos e dos ucranianos, dos armênios e dos cazaques.

O efeito perverso das redes sociais nesses tempos é fazer com que as pessoas esqueçam nossa História, os sofrimentos das nossas famílias, aquilo que herdamos e nos fez chegar até aqui. Um país é sempre uma eterna construção, uma obra coletiva inacabada.

Uma sociedade em processo de autodestruição, onde as leis mudam a cada dia e necessidades passam a ser um direito, acima da lei e da escolha da maioria, acaba criando fugitivos, gente saindo em busca de um lugar melhor para trabalhar e progredir, criar seus filhos e ser feliz. E aquele país em eterna construção vira uma obra parada.

*Jornalista